Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto,
o ser amoroso, sozinho,
em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
Amar o que o amor traz à praia,
o que ele sepulta,
e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor,
ou simples ânsia?
Amar solenemte
as palmas do deserto,
o que é entrega
ou adoração expectante,
e amar o inóspito,
o áspero, um vaso sem flor,
um chão de ferro,
e o peito inerte,
e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino:
amor sem conta,
distribuído pelas coisas
pérfidas ou nulas,
doação ilimitada
a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor
a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa,
amar a água implícita,
e o beijo tácito,
e a sede infinita.
(Drummond)
Nenhum comentário:
Postar um comentário