sábado, 13 de outubro de 2007

Amar - Carlos Drummond de Andrade


Amar

Que pode uma criatura senão,

entre criaturas amar?

amar e esquecer,

amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto,

o ser amoroso, sozinho,

em rotação universal,

senão rodar também, e amar?

Amar o que o amor traz à praia,

o que ele sepulta,

e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor,

ou simples ânsia?

Amar solenemte

as palmas do deserto,

o que é entrega

ou adoração expectante,

e amar o inóspito,

o áspero, um vaso sem flor,

um chão de ferro,

e o peito inerte,

e a rua vista em sonho,

e uma ave de rapina.

Este o nosso destino:

amor sem conta,

distribuído pelas coisas

pérfidas ou nulas,

doação ilimitada

a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor

a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,

e na secura nossa,

amar a água implícita,

e o beijo tácito,

e a sede infinita.


(Drummond)

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