terça-feira, 28 de agosto de 2007

DESPEDIDA - RUBEM BRAGA



Despedida


E no meio dessa confusão

alguém partiu sem se despedir; foi triste.

Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste,

talvez tenha sido melhor assim,

uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval

uma pessoa se perde da outra,

procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão.

É melhor para os amantes pensar

que a última vez que se encontraram se amaram muito

depois apenas aconteceu que não se encontraram mais.

Eles não se despediram,

a vida é que os despediu,

cada um para seu lado

sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza,

e também uma lembrança boa;

que não será proibido confessar

que às vezes se tem saudades;

nem será odioso dizer que a separação

ao mesmo tempo nos traz

um inexplicável sentimento de alívio,

e de sossego; e um indefinível remorso;

e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram,

mas não se perderam,

porque ficaram em nossa vida;

que a lembrança deles

nos faz sentir maior a nossa solidão;

mas que essa solidão ficou menos infeliz:

que importa que uma estrela já esteja morta

se ela ainda brilha no fundo de nossa noite

e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar

que haverá outros verões; se eles vierem,

nós os receberemos obedientes

como as cigarras e as paineiras

com flores e cantos.

O inverno

te lembras...

nos maltratou; não havia flores, não havia mar,

e fomos sacudidos de um lado para outro

como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer

que houve um telefonema que não pôde haver;

entretanto, é possível que não adiantasse nada.

Para que explicações?

Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes;

o silêncio torna tudo menos penoso;

lembremos apenas as coisas douradas

e digamos apenas a pequena palavra: ADEUS.

A pequena palavra que se alonga

como um canto de cigarra

perdido numa tarde de domingo.


Rubem Braga

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